segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Playboy e sanguinário

ITÁLIA
Playboy e sanguinário
Aos 39 anos, o novo chefão da Máfia parece um profissional urbano bem-sucedido, mas é acusado de pelo menos 50 assassinatos
Matteo Messina Denaro é fanático por videogames, quebra-cabeças e histórias em quadrinhos. Também é um bon vivant. De hábitos refinados, prefere calças Versace, relógios Rolex e gravatas de seda. Há alguns anos, era possível vê-lo na direção de um Porsche vermelho na costa da Sicília, na Itália. Nas discotecas da moda, cercado de belas mulheres, pedia sempre champanhe Cristal. Aos 39 anos, Denaro é um tipo de homem que gosta de freqüentar restaurantes grã-finos. Desde 1993, contudo, está sumido. Condenado à prisão perpétua, acusado de pelo menos 50 assassinatos e apontado pelo FBI, a polícia federal dos Estados Unidos, como um dos dez maiores traficantes de droga do mundo, Denaro é, hoje, o mais poderoso chefe da Máfia em liberdade.
A polícia está no encalço do mafioso, mas é difícil prendê-lo. Quase não há fotos de Denaro – a mais recente, publicada na capa da revista italiana L’Espresso da semana passada, mostra um jovem de cabelo curto e óculos escuros. Denaro (palavra que, em italiano, significa dinheiro) usa a fortuna que amealhou no crime para se esconder. “Nojentamente rico”, como definiu o jornal inglês The Independent, o criminoso é, na aparência, o herdeiro de uma empresa de areia e cimento para a construção civil, em Mazara del Vallo, cidade siciliana. Filho de Francesco Messina Denaro, chefe da Máfia em Mazara até morrer, em 1998, Matteo ficou com muito mais que o negócio legítimo do pai e o restrito poder local do velho mafioso. Herdou o comando da maior e mais perigosa organização criminosa do planeta.
A ascensão de Denaro iniciou-se com a queda de um dos maiores chefões da Máfia de todos os tempos: Salvatore Totò Riina, apelidado de O Monstro. Preso em 1993, depois de denunciado por um ex-motorista, Riina comandou a Cosa Nostra (“coisa nossa”, em português) por 11 anos. A prisão do Monstro encheu de esperança os italianos, que viram ali um golpe mortal contra a Máfia. Riina havia levado seus comandados a um patamar assustador de violência e ousadia. O clima entre os mafiosos começou a mudar em 1984, quando Tommaso Buscetta foi preso no Brasil e resolveu entregar os companheiros. Cerca de 300 pessoas foram encarceradas. Mais importante que isso, no entanto, rompeu-se a omertà, o voto de silêncio que impera entre os membros da Cosa Nostra e não perdoa denúncias e confissões de crimes.
Estava, também, criada a figura dos pentiti, mafiosos arrependidos, que, em troca de penas mais leves, se dispuseram a contar o que sabiam às autoridades. Graças aos pentiti, muitos chefes foram presos e relações promíscuas entre criminosos e importantes autoridades vieram à luz. Até Giulio Andreotti, sete vezes primeiro-ministro da Itália pela Democracia Cristã, foi denunciado. Julgado como mandante do assassinato de um jornalista, foi absolvido, mas sua carreira política acabou.
Riina, sem desprezar o poder da corrupção, preferia métodos violentos para lidar com o Estado. Em 1992, dois atentados à bomba mataram os juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, então os mais eficazes perseguidores da Máfia. A morte dos juízes causou enorme comoção no país. ä
O governo se viu obrigado a apresentar resultados na luta contra o crime organizado. Em janeiro do ano seguinte, Riina, o chefe dos chefes, como dizem os mafiosos, foi para a cadeia. Ele estava foragido havia 23 anos.
Quatro meses depois, três atentados à bomba abalaram a Itália. Uma explosão em Florença matou cinco pessoas e danificou várias obras do Uffizi, um dos mais importantes museus do mundo. Em Roma e Milão, outros dois carros-bomba fizeram mais cinco vítimas. As explosões foram interpretadas pela maioria dos italianos – otimistas com a prisão do Monstro – como o estertor da Máfia. Os últimos golpes de um inimigo moribundo. Era cedo para isso. Há inclusive a suspeita, partilhada por estudiosos do crime organizado, de que a própria prisão de Riina tenha sido arquitetada pela Máfia. A história tem contornos cinematográficos – por coincidência, Riina pertence ao clã dos Corleonesi, da cidade de Corleone, que inspirou os personagens das histórias de Mario Puzo, levadas ao cinema por Francis Ford Coppola. Bernardo Provenzano, o segundo homem na hierarquia da organização, teria preparado a armadilha que encerrou a carreira de Riina. Nesse contexto, os atentados em Florença, Milão e Roma representariam uma espécie de batismo de fogo – o marco inicial do reinado de um novo chefão.
Para planejar e executar as explosões, Provenzano convocou um jovem matador, articulado, atualizado em relação a tecnologia e cruel: Matteo Messina Denaro. Tanto Provenzano quanto Denaro são membros do clã Corleonesi. No início, ainda sob as ordens de Riina, Denaro era um “soldado” que Provenzano usava em ações violentas. O playboy gosta de atirar e de matar. Aprendeu a usar uma arma aos 14 anos. Aos 18, cometeu o primeiro homicídio. Ambicioso, tornou-se logo uma ameaça a Provenzano, também foragido. Velho e doente dos rins, o chefão evita se reunir com Denaro pessoalmente. Teme ser executado.
Na hierarquia da organização, Provenzano estaria um degrau acima de Denaro. “Se você comparar a Máfia a uma empresa, Provenzano foi promovido a vice-presidente e Denaro é o novo diretor-executivo”, analisa Giuseppe Lumia, chefe da comissão anti-Máfia do Parlamento italiano. Muito mais perto da frente de batalha, o comandante de polícia de Trapani, Giuseppe Linares, confirma. “Hoje, dentro da Máfia, todos temem Denaro e ninguém manda mais que ele.” Não é à toa que, atualmente, Trapani é o foco mais ativo da Máfia, dentro da Sicília. Lá fica a base de operações de Denaro.
Os tentáculos do grupo, no entanto, alcançam o restante da Europa e os Estados Unidos. Envolvem exploração de prostituição, lavagem de dinheiro, tráfico de armas e principalmente o narcotráfico. Denaro é idolatrado por seus comandados, que o chamam pelo apelido de U Siccu (O Magro). A nova geração da Máfia, em grande parte ainda desconhecida da polícia italiana, prefere Denaro, urbano e moderno, a velhos como Provenzano, um camponês desconfiado e ignorante.
Como mais uma marca de suas diferenças em relação à velha geração, Denaro escolheu outro apelido. Siccu, de origem siciliana, foi trocado por Diabolik, personagem de uma história em quadrinhos na Itália. Denaro gaba-se do medo que infunde em Provenzano e outros chefes mafiosos. Costuma dizer que poderia fazer um cemitério só com as pessoas que ele mesmo matou. Extrai lucros enormes do crime, mas não despreza nem pequenas fraudes como a pensão por invalidez que recebeu por 12 anos do Estado italiano.
Para capturá-lo, a polícia grampeou até o túmulo do pai do mafioso, em Trapani. Os arapongas colocaram microfones na lápide para tentar flagrar o capo, valendo-se do hábito dos mafiosos foragidos de transmitir ordens e recados por meio de encontros em cemitérios e igrejas. O truque não deu certo, mas demonstra que vale tudo para tentar prender o comandante supremo da Máfia.
Tradição de ilegalidade.

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