segunda-feira, 10 de setembro de 2007

A Máfia Siciliana no Mundo

Segundo informações obtidas junto à Direção Investigativa Antimáfia, nos livros "Diciotto Anni di Mafia", de Saverio Lodato, "Mafie e antimafia", de Luciano Violante, e "Processo alla'Ndrangheta", de Enzo Ciconte e com a leitura de um artigo do jornal Folha de São Paulo, de 24.03.97, a Máfía italiana, atualmente, apresenta a seguinte estrutura:

1. Cosa Nostra, da Sicília, Palermo, com 5.400 membros;

2. 'Ndrangheta, da Calábria, Reggio Calábria, com 5.600 membros;

3. Camorra, da Campânia, Nápoles, com 7.200 associados; e

4. Sacra Corona Unita, de Puglia, Bari, com 2.000 mafiosos;



As fontes de renda desta societas sceleris são: o tráfico de droga, de armas, o jogo, seqüestro, extorsão de pessoas e empresas, fraudes em serviços e obras públicas, lavagem de dinheiro, etc.

A máfía adota, como estrutura celular, clãs e famílias. Grupos ligados à vínculos sentimentais, que procuram imitar os laços familiares, usando os nomes consagrados na literatura, como "padrinho", etc. Os membros da Máfia são conhecidos como uomini d'onore, homens de honra; na verdade, não passam de assassinos e traficantes frios. Os capo são os chefões dos principais clãs, o membro mais poderoso da família ou da cidade.

O clãs recebem os nomes de famílias (por exemplo, Morabito, Mazzaferro, Pesce, por exemplo). Na Sicília, é comum o clã ser associado à cidade de origem: os corleoneses, os palermitanos etc. Cada grupo da máfía tem um território. A Cosa Nostra, da Sicília, tem amplas ligações com a máfia americana. Os demais ramos somente agem nos EUA com aprovação da Cosa Nostra. A 'Ndrangheta tem certa especialidade no tráfico de cocaína e heroína para a maior parte da Europa Ocidental.

No caso deste processo, trata-se de uma família da Cosa Nostra, ligada aos corleoneses.

A revista ISTOÉ, de 27.08.1997, na reportagem denominada "A máfia lava mais branco", explica o trabalho da Máfia na lavagem de dinheiro, que tornou a Máfia um grupo especializado no mundo do crime, por isso procurado pelos cartéis colombianos. Vejamos:

"A máfia lava mais branco"

Como o dinheiro sujo entra no mercado financeiro

LU GOMES

Legalizar o dinheiro é a conseqüência lógica de todo lucro gerado de forma ilícita. É uma atividade tão difundida que ninguém sabe ao certo quanta grana ilegal está rolando pelo mundo. Dizem que chega a US$ 1 trilhão por ano, mas essa cifra não fazem sentido - a velocidade com que o dinheiro sujo viaja pelo globo é tanta que ele acaba sendo contado diversas vezes enquanto é movimentado. Em sucessivas transferências interbancárias – as conhecidas operações via cabo -, a grana vai pulando de um banco para outro ao redor do mundo, até voltar limpinho nas mãos do criminoso. As transferências por cabo somam 700 mil por dia, no fim do qual cerca de US$ 2 trilhões ziguezaguearam pelo mundo, a maior parte em fundos legais.

O Departamento do Tesouro dos EUA calcula que só uma pequena fração dos US$ 25 bilhões por ano, enviados pelos traficantes colombianos ao seu país, segue através de transferências bancárias por cabo. Na verdade, retirar dos EUA o lucro gerado com a venda da cocaína dá mais trabalho do que contrabandear a droga para dentro do país. O motivo é prosaico: a volumosa quantidade de dinheiro gerada pelo tráfico excede o volume da droga. Para cada quilo de cocaína vendido no varejo, cerca de três quilos de dinheiro são acumulados em notas de um, cinco, dez e 20 dólares.

São três as principais origens do dinheiro sujo: os crimes de colarinho-branco, o crime organizado tradicional e o tráfico de cocaína. O dinheiro proveniente dos crimes de colarinho-branco atinge a maior soma, mas é o tráfico de cocaína que gera o maior volume de dinheiro, cujas toneladas de notas precisam ser transportadas por caminhões, navios e aviões Caravelle e Boeing 727.

Calcula-se que, por dia, entra em tomo de uma tonelada de cocaína nos EUA, gerando uma piscina de dólares de causar inveja ao tio Patinhas. Mas os traficantes- fazem algo que o pato pão-duro jamais faria: queimar as notas de um dólar, só para diminuir o volume da carga a ser transportada.

Lavar dinheiro nada mais é do que quebrar sua conexão com o ato criminoso que o originou e injetá-lo no sistema financeiro com a aparência de ter sido obtido legitimamente. Canalizar o dinheiro sujo para um negócio legítimo é o meio mais fácil de lavá-lo. Se você vende cocaína ou deu um desfalque na Previdência Social, levar o dinheiro para fora do país significa colocá-lo em países onde ele seja bem recebido por um banqueiro.

Os negócios estão se globalizando, o crime está fazendo o mesmo. E com graves conseqüências: essa lavagem de dinheiro ameaça desestabilizar a economia de muitos países. Na Rússia, a lavagem de dinheiro sujo virou um estilo de vida que afetou toda a economia do país. O crime é a indústria que mais cresce na Rússia e seu sistema bancário se tomou numa máquina de lavar. Aliás, dizem que na Rússia de hoje é mais fácil comprar um banco do que um carro".

No final da década de 80, a Máfia siciliana realizou encontros com os cartéis colombianos. Os assassinatos de Giovanni Falcone e Paolo Borsellino deixaram o mundo estarrecido. A forma mais importante de combate à Máfia foi o Programa de Proteção às Testemunhas ( gerando os arrependidos) e o aumento dos poderes do Ministério Público italiano, podendo este quebrar sigilos diretamente, colocando toda uma equipe de investigadores de elite ( Divisão Anti Máfia) subordinada ao Ministério Público, etc. Ao mesmo tempo, a investigação tornou-se parcialmente judicial, através de um tipo especial de Juizado de instrução, dando celeridade aos casos criminais.

O movimento "Mãos Limpas" começou com a nova ordem organizacional dos cargos do Ministério Público, designado pela reforma de 1991. Na Itália, o Ministério Público situa-se dentro do Poder Judiciário, havendo a Magistratura que processa e a que julga. Por isso o movimento foi conhecido como dos Juízes italianos, embora vários fossem membros do Ministério Público. Na reforma constitucional, que completou outra de 1988, ao lado das procuradorias ordinárias (com competência territorial limitada a uma ciscunscrição restrita), foram criadas vinte e seis PROCURADORIAS DISTRITAIS ANTIMÁFIA ( com competência para investigar crimes supracitados num âmbito territorial mais vasto, coincidente com o distrito da Corte de Apelação no qual cada escritório tem sede). A Procuradoria Distrital mais importante é a de Roma, que fez os trabalhos que geraram esta ação.

A Procuradoria Nacional Antimáfia tem a Direção Nacional Antimáfia; desta forma, a coordenação das atividades da investigação com a polícia e o Judiciário ocorrem de forma célere. A polícia judiciária foi valorizada, afastada da política e as investigações tornaram-se rápidas. Reforçaram o poder de barganha do Ministério Público e da Polícia, melhorando o combate ao crime organizado. Permitiram a infiltração de policiais no crime organizado, escutas ambientais, etc.

Ao mesmo tempo, grandes bancos de dados, constituídos com base em documentos informativos provenientes de fonte judiciária (por exemplo, informações sobre crime dirigidas à autoridade judiciária, realização de captura, sentenças de condenação, etc.), foram disponibilizados, ampliando o fluxo de informações.

A Procuradoria Nacional Antimáfia dispõe da Direção de Investigação Antimáfia (DIA), organismo com competência nacional, destinado a desenvolver uma função de "inteligência" no setor específico das investigações antimáfia, além dos serviços centrais e interprovinciais de todas as forças da polícia (Carabineiros, Polícia Estatal e Guarda Financeira).

Por isso, houve o movimento "Mãos Limpas", que diminuiu o poder da Máfia. Vale a pena, para melhorar o entendimento sobre a Máfia, a transcrição de um artigo do Dr. Pietro Grasso, do Ministério Público italiano:

"Procuradoria Nacional Anti-Máfia, Itália

1. O combate à Máfia na Itália

A Máfia tem sido freqüentemente representada como um polvo de mil tentáculos ou um câncer da sociedade. (... ) É constituída por organizações precisas, por homens, dinheiro, relações políticas, alianças com outros componentes sociais, tráficos criminosos. É preciso desmantelar as organizações, prender os homens, seqüestrar e confiscar todas as riquezas, intervir com eficácia sobre os tráficos, destruir as alianças. A ação desenvolvida pelo Estado na Itália nos últimos anos tem demonstrado que isto não é impossível, porque já sabemos muitíssimo sobre a Máfia e muitas vezes o Estado italiano mostrou que se pode vencer.

A máfia na Itália é constituída essencialmente por três grandes organizações criminosas: Cosa Nostra, 'Ndrangheta e a Camorra, além de uma organização menor, a Sacra Corona Unita, radicada na Puglia (Apulia). Tais organizações mafiosas, diferentemente das organizações criminais comuns, além de serem fundadas sobre uma estrutura interna de caráter hierárquico, sobre a programação permanente de ações delituosas, sobre a guarda de sigilo das relações internas, sobre o reinvestimento dos ganhos ilícitos, e, além de lançar mão, para impor-se, da violência e do logro da corrupção e da intimidação, exercem um profundo controle do território, se inserem, através de atividades empresariais e investimentos aparentemente lícitos, na sociedade - civil, entrelaçando relações com o mundo legal e, em particular, com setores do mundo político-financeiro.

A Máfia tem assassinado magistrados, policiais, políticos; mas também jornalistas: este é o sinal evidente de que se comporta como um poder político totalitário que mata quem a combate com o instrumento do pensamento e das palavras.

A Máfia, pela sua experiência secular, constitui um modelo bem sucedido no mercado das organizações criminosas.

Já está claro que onde chega um grupo mafioso, a criminalidade comum é forçada a retirar-se, ou a adotar uma posição subalterna ou, ainda, a mudar o modelo organizacional, igualando-se àquele da Máfia.

Outra importante característica das organizações mafiosas é a sua internacionalização. Isto tem acontecido principalmente pela qualidade dos bens tratados: droga, armas e dinheiro. A droga e as armas são mercadorias que atravessam diversos países do mundo. A sua utilização final ocorre habitualmente, tanto no que se refere às armas quanto às drogas, em locais diferentes daqueles onde são produzidas. O tráfico comporta a necessidade de liberar muitas fronteiras, de utilizar muitas instituições legais (bancos, sociedades financeiras, alfândegas), de envolver-se com grupos ilegais de vários países. A necessidade de reciclar e de investir os lucros advindos das atividades criminosas leva necessariamente à busca de países e de bancos estrangeiros que ofereçam maiores garantias de reserva.

As organizações mafiosas constituem, hoje, a espinha dorsal do sistema do crime internacional; a sua derrota é, portanto, o pressuposto para a desestabilização das outras formas de criminalidade organizada.

Cosa Nostra é a organização mafiosa mais importante em toda a Europa e está entre as mais importantes do mundo. Nascida na Sicília ocidental no início do século XIX, tem sua sede na própria Sicília e uma estrutura hierárquica com regras precisas de comportamento, cujo vértice é constituído da assim chamada Comissão que reúne os chefes mais importantes, e dirige o exército da Cosa Nostra, composto de cerca de 5.000 homens. Este é o número de afiliados orgânicos segundo declarações dos colaboradores e não se tem a conta dos favorecedores, de todos os cúmplices, muitos milhares ao todo, não inseridos organicamente nas simples associações mafiosas. Muitos chefões da 'Ndrangheta e da Camorra são afiliados à Cosa Nostra e isto lhes confere uma grande capacidade de manobra e de alianças estratégicas. A Cosa Nostra e responsável por homicídios que abalaram todo o mundo civil: os últimos foram o de Giovanni Falcone e o de Paolo Borsellino.

Hoje, além de estar presente em muitas regiões italianas, a Máfia se encontra nos Estados Unidos, no Canadá, na Alemanha, na Suíça, na Rússia e nos países do Leste da Europa. Tem desenvolvido, historicamente, e continua a desenvolver uma função política, tanto em nível local quanto nacional.

Até o início dos anos 80, o conhecimento do aparato estrutural-funcional da Cosa Nostra era parcial. Como conseqüência, tem sido descontínua a ação repressiva do, voltada principalmente a atacar, com resultados decepcionantes, as manifestações criminosas isoladas, vistas por uma ótica desligada da consideração unitária do fenômeno mafioso.

No início dos anos 80, foi elaborada na Itália uma nova estratégia que partia do princípio de que a Máfia é crime em si, independentemente das manifestações criminosas individuais que são enquadradas nas dinâmicas da organização da qual são expressão.

As investigações, mais do que sobre seus crimes específicos, foram desenvolvidas sobre a estrutura da organização, sobre os seus chefões, sobre os seus relacionamentos políticos e financeiros.

Esta nova postura permitiu e ainda permite ligar entre si crimes individuais, descobrindo a sua razão unitária, ir diretamente à cúpula da organização, golpear o organismo que é mandante destes crimes, começar a colher os dados relacionados entre a Máfia e política e entre a Máfia e finança, jamais examinados antes, exatamente por falha de comportamento nas investigações. A virada decisiva na luta contra a Máfia pode ser colocada com a introdução do crime de associação mafiosa como crime autônomo.

A primeira investigação contra a Cosa Nostra inspirada pelos - ainda parciais critérios indicativos da nova estratégia foi aquela que deu lugar ao processo contra Michele Greco. Tratava-se da primeira investigação nascida substancialmente da contribuição, inicialmente não conhecida porque em nível confidencial, de fontes inseridas no interior da Cosa Nostra como, por exemplo, Contorno Salvatore.

O salto de qualidade decisivo no combate à Cosa Nostra foi realizado naquela investigação graças à escolha da colaboração de Tommaso Buscetta e de, é claro, Contorno Salvatore, os primeiros dois colaboradores da justiça que romperam a barreira da lei do silêncio, que até agora tinha caracterizado, de maneira exclusiva, todos os comportamento dos homens honrados.

Esta investigação foi concluída com o Maxi Processo contra a Máfia iniciado em Palermo em 1986 contra 470 acusados, processo que, pela primeira vez na história, conseguiu atingir o braço forte e o cérebro da Máfia, determinando nos vértices da organização, reações gravíssimas em conseqüência das numerosas condenações à prisão perpétua dos expoentes máximos da organização e à atribuição de milhares de anos de reclusão.

Quando tal sentença, em janeiro de 1992, tomou-se definitiva, as reações da organização mafiosa foram gravíssimas e culminaram na adoção de uma estratégia de carnificina com os homicídios dos magistrados Falcone e Borsellino, e com toda uma temporada de matanças verificadas em Roma, Florença e Milão nos anos 1993/94".



Este é o quadro mundial: como opera a Máfia no mundo.

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