O INIMIGO NÚMERO 1 DA MÁFIA
Carta Capital no 38 - Ano II - 11/12/96
Lições de fé, coragem e competência do juiz de um país em que o Judiciário é independente GIAN CARLO CASELLI é o PROMOTOR-CHEFE DA operação Anti-Máfia, que acua a mais notória e globalizada organização criminosa do mundo. É também o instrutor do processo que acusa o ex-primeiro-ministro Giulio Andreotti (democrata-cristão, um dos principais protagonistas da política italiana nos últimos quarenta anos) de envolvimento com a Cosa Nostra, outro nome dado à Máfia siciliana, distinta da Camorra, napolitana, e da N'Dragheta, calabresa. Figura lendária desde fins de 1979, quando, depois do atentado terrorista que matou mais de 80 pessoas na estação ferroviária de Bolonha, organizou um pool de juizes para conduzir as apurações judiciais contra as Brigadas Vermelhas.
Nascido em Turim há 58 anos. Há quatro, assumiu em Palermo, a maior cidade siciliana, o posto que foi sucessivamente de Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, assassinados pela Máfia. O primeiro, vítima da chacina de Capaci, região de Palermo, que o matou juntamente com sua mulher e os cinco agentes da escolta. O segundo, substituto de Falcone, de quem fora braço direito, morreu sobre uma calçada citadina no instante em que apertava a campainha da casa de sua mãe. Temos aí um gênero de histórias e personagens que não estão somente nos filmes. Nesta entrevista a Mino Carta e Nelson Letaif, Caselli silencia a respeito de processos em andamento, como mandam o senso ético e a própria lei. Mas o primeiro objetivo de CartaCapital é mostrar as diferenças entre o poder de um país inequivocamente democrático e o Judiciário brasileiro, sem deixar de tocar em outros pontos importantes, como a Pizza Connection que passa pelo Brasil, ou a vida de um magistrado que arrisca a pele 24 horas por dia. CartaCapital: Quais são os poderes que o Ministério Público tem na Itália? Entendemos que na diferença desses poderes entre Itália e Brasil está um dos pontos básicos da própria diferença entre uma democracia autêntica e outra, digamos assim, incompleta. Gian Carlo Caselli: Não tenho condições de fazer comparações entre a justiça italiana e a brasileira. Posso falar da situação no meu país e contar como na Itália alguém se torna magistrado. Em primeiro lugar, o formado em Direito tem de participar de um concurso e passa por um exame que consta de 3 provas escritas e uma oral. Existem de 200 a 300 vagas. Depois disso vem um período que nós chamamos de tirocínio, de aprendizado, que dura de seis meses a dois anos. A partir daí você é juiz para todos os efeitos, com direito a escolher a sua sede conforme uma lista de postos preparada pelo Conselho Superior da Magistratura. Naturalmente leva vantagem aquele que estiver melhor classificado. O último não vai ter escolha. Depois de dois anos de trabalho o juiz está habilitado a pedir transferência para uma nova sede, da qual não poderá ser mais removido em hipótese alguma, até mesmo por todo tempo de sua carreira. Não há poder que possa retirá-lo dali. Esta é a primeira garantia oferecida ao juiz italiano, a garantia da inamovibilidade. CC: Quer dizer que é impossível qualquer tipo de interferência política para remover, por exemplo, um promotor incômodo, que fuça onde não deve? GC: Não há político de estatura nacional, ou figura local com quem eventualmente o magistrado entra em rota de colisão, que tenha poder para remover o juiz, e nem mesmo o tem o próprio Conselho Superior. A única possibilidade existe quando o juiz não cumpre os seus deveres. Nesses casos é submetido a um procedimento especialíssimo que o transfere ex officio e pode puni-lo de outras maneiras. A garantia foi introduzida depois do fascismo, no imediato pós-guerra, para impedir precisamente que o judiciário pudesse ser condicionado pelo poder político. CC: Gostaríamos de entender melhor esta situação pela qual na Itália o promotor também é juiz. GC: Na Itália pode-se escolher o que chamamos de carreira inquirente, a do Ministério Público, e a carreira judicante, mas sempre é possível mudar livremente a função e a sede, depois de um tempo mínimo de quatro anos. Na Itália a justiça forma um corpo único. Todos somos iguais ao entrarmos na carreira e dentro dela podemos nos movimentar à vontade, sempre com o aval oficial de um órgão superior que se chama Conselho Judiciário. De verdade, o papel deste Conselho é sobretudo formal. O juiz italiano é o mais independente em toda a Europa. CC: A garantia da inamovibilidade é a primeira razão desta independência? GC: Há outra: todas as decisões relativas ao ordenamento da justiça italiana dependem exclusivamente do Conselho Superior da Magistratura, órgão de nível constitucional, composto por 33 pessoas e presidido pelo próprio presidente da República. CC: Estamos falando de um país em que vigora o regime parlamentarista. Ou seja: o presidente da República é o chefe do Estado, mas não do governo. Não representa o poder Executivo ou qualquer outro. Representa a própria República. GC: Perfeitamente. Compõem o Conselho o presidente do Supremo Tribunal, o Promotor Geral junto ao mesmo Supremo, 20 juizes eleitos pela Magistratura e 10 integrantes laicos eleitos pelo Parlamento em sessão comum de Câmara e Senado. Uma função importante do Conselho, além daquelas em que falamos antes, é a de nomear os chefes de cada sede, o ufficio, e de determinar o número de funcionários que devem trabalhar ali, o tamanho das verbas a serem alocadas etc., etc. O Conselho decide sem interferência de outros poderes, inclusive do ministro da Justiça. A este cabe, isto sim, encaminhar se necessário providências disciplinares relacionadas com o comportamento deste ou daquele juiz. O Julgamento final, no entanto, fica por conta do Conselho Superior. CC: Que acontece quando a chefia de um ufficio fica vaga, porque o titular pediu transferência, ou foi aposentado, ou por qualquer outra razão? GC: O Conselho Superior abre um concurso e faz uma escolha usando três critérios distintos: capacidade para o posto; experiência; antigüidade no serviço. CC: Até onde chega o poder dos chefes do ufficio? GC: Tem poderes administrativos. O chefe não pode dizer: escreva a sentença deste jeito. Ou: instrua o processo desta maneira. Há uma diferença entre os juizes da justiça judicante e aqueles da inquirente. No caso da judicante, cada juiz goza de absoluta independência, não somente em relação ao Executivo, representado em primeiro lugar pelo ministro da justiça, mas também em relação aos seus chefes. No caso da inquirente não há dúvidas quanto à independência em relação ao Executivo, mas o juiz substituto, chamado assim exatamente para indicar a sua subordinação a uma chefia, pode receber uma orientação. Se a chefia não estiver convencida a respeito da linha tomada, tem poderes para retirar o processo das mãos do substituto, mas a sua decisão estará de qualquer maneira subordinada aos entendimentos finais do Conselho Superior da Magistratura. E este poderá até determinar que o processo volte a ser conduzido pelo substituto. De qualquer forma, isso tudo tem apenas a ver com a fase de instrução do processo. Uma vez que o processo está em andamento, o Ministério Público passa a gozar da mesma independência do poder judicante. CC: Na Itália não há quem gostaria de separar a carreira do juiz que julga daquela do Ministério Público? GC: Realmente na Itália já se desenrola um debate a respeito. Mas a idéia que até o momento prevalece, e que eu espero prevaleça definitivamente, é a de que as carreiras não devem ser separadas. Em compensação devem sê-lo as funções. Ou seja, deve estar claro que a função judicante é inequivocamente distinta da função inquirente. A separação das carreiras seria muito perigosa para a independência da magistratura. Por quê? Uma das implicações básicas da atividade do Ministério Público, na coleta das provas, é obviamente a imparcialidade. Ele junta provas contra, mas não deixará de apresentar também as provas a favor se as colher no decorrer do inquérito. Esta imparcialidade depende do fato de que o Ministério Público está inserido no circuito da jurisdição. É a cultura da jurisdição, a cultura do julgamento, que cria magistrados imparciais. Se não for assim, o Ministério Público acaba entrando na órbita da polícia, que exerce uma tarefa importantíssima e respeitabilíssima, mas que não se confunde com tarefas executadas à sombra da cultura da jurisdição. O magistrado inserido na cultura da polícia não é mais um Ministério Público imparcial. É como se ele tivesse entrado na ante-sala do poder Executivo. Não falta quem na Itália sustente a necessidade de se mudar o sistema já que ele não existe em outros países ocidentais. Mas quem disse que a Itália está errada e esses países ocidentais estão certos? CC: Que acha o senhor? GC: Acho que o sistema italiano é melhor, embora não seja perfeito. Diga-se que muitos países europeus, exatamente neste momento, olham para o sistema italiano como um modelo a ser imitado. Na verdade verifica-se que muitos inquéritos que foram e estão sendo realizados na Itália, em outros países seriam impossíveis. Se na Itália se desenvolve a Operação Mãos Limpas, se temos uma consistente operação anti-Máfia é porque a justiça italiana é realmente um poder independente. CC: O Ministério Público tem na Itália um relacionamento especial com a polícia. GC: Na Itália temos várias polícias. A polícia de Estado, que depende do Ministério do Interior. Os Carabinieri, que dependem do Ministério da Defesa. E a Guardia di Finanza, que depende do Ministério das Finanças. Trata-se de três polícias separadas que às vezes chegam a concorrer entre si, no sentido de que uma não sabe o que a outra faz e, sendo assim, pode ocorrer que eventualmente atuem no mesmo campo no mesmo momento. Este é aliás um problema grave, embora não seja próprio da Itália. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Polícia Federal muitas vezes entra em choque com as polícias locais. No caso do combate à Máfia, temos um órgão unificado, chamado Direção da Investigação Anti-Máfia (DIA), que corresponde no plano policial à Promotoria Geral Anti-Máfia, com sede em Roma, coordenando todos os promotores distritais envolvidos na operação. A DIA tem pouco mais de quatro anos de vida, é um órgão de polícia e inteligência e atende a uma idéia de Falcone. Agora vamos entender. Quem decide, digamos, qual o vulto e a composição do efetivo policial em Palermo é o Ministério do Interior. Assim como o Ministério da Defesa decidirá em relação aos Carabínieri e o Ministério das Finanças quanto aos seus guardas específicos. Cada promotor tem, no entanto, certos poderes em relação aos policiais alocados na sua região ou na sua cidade. Ele delega investigações a uns ou outros, conforme a característica da ação em curso. CC: A sua experiência pessoal qual é? GC: É boa. Em geral o que a gente pede às várias polícias é sempre executado. Se conseguimos bons resultados depois da chacina de Capaci, isso se deve ao belo trabalho realizado pela polícia. CC: Nessa altura, que dizer da Operação Anti-Máfia? Chegou aonde pretendia ou ainda falta muito? GC: Logo depois da morte de Falcone e Borsellino a Itália passou por um período de profundo desconforto e até de resignação. Felizmente um período bastante curto. A opinião pública logo começou a reagir. No primeiro aniversário da morte de Falcone um milhão de pessoas, sobretudo jovens, foram às ruas de Palermo. A questão uniu as instituições muito acima das posições políticas. O afinamento entre a polícia e a magistratura foi perfeito e os resultados estão aí, diante dos olhos de todos. Delitos gravíssimos foram reconstruídos, um sem número de chefes históricos da Máfia está na cadeia. O número de colaboradores da Justiça, gente que passa para o lado do Estado, cresceu extraordinariamente e continua crescendo. Trata-se de gente que busca vantagens, evidentemente, mas é certo que agora considera o Estado mais forte do que a Máfia, e isto é importantíssimo. Falcone nos ensinou que os chamados arrependidos não são frutos temporões, amadurecidos fora da estação certa. Eles aparecem porque o Estado lhes parece confiável e forte, animado pela vontade de agir. CC: Quer dizer que Cosa Nostra está em xeque? GC: Os resultados que alcançamos foram notáveis e obtiveram grande repercussão, a ponto de gerar uma ilusão. Ou seja, que a Cosa Nostra está acabada. O que de fato está acontecendo é que a sua facção militar, de Corleone, está em grande dificuldade, mas todas as demais facções continuam gozando de ótima saúde. CC: Facção militar? GC: Bem, os corleoneses são aqueles que matam. Todos matam, mas os corleoneses se expõem muito mais, não hesitam em provocar chacinas, enquanto as outras facções neste momento estão adotando a técnica da submersão. Quer dizer, procuram expor-se o mínimo possível. É o momento destinado à cicatrização das feridas, à reorganização, esperando a ocasião conveniente para ressurgirem em cena mais fortes e mais ferozes do que antes. Isto já aconteceu em outros tempos. Durante o fascismo a Máfia parecia derrotada, no entanto, quando os aliados desembarcaram na Sicília, ela voltou à tona, mais aguerrida do que nunca. Há exemplos bem mais recentes. Falcone e Borsellino conseguiram armar um maxiprocesso que pela primeira vez colocou diante da justiça centenas de mafiosos. Então a Máfia parecia golpeada mortalmente, mas logo reapareceu para perpetrar a chacina de Capaci. CC: Mas que fazer para ir adiante no caminho percorrido com êxito nos últimos anos? GC: Há muitas coisas a fazer. Em primeiro lugar, é preciso levantar a fortuna da Máfia. Ela é uma potência econômica de primeira grandeza. Um problema denunciado não somente por nós magistrados, mas também, e até, pelo Fundo Monetário Internacional, está no fato de que a economia mafiosa vai penetrando progressivamente na economia limpa, na economia legal. Nesse sentido, é clara a necessidade de os Estados interessados comporem uma organização comum visando à internacionalização do combate. A Máfia já não tem fronteiras e é preciso que a resposta também não tenha fronteiras. CC: A integração mafiosa parece mais fácil do que a de poderes de Estados bastante diferentes. GC: Eu me refiro sobretudo à situação européia porque é com a Europa que temos maiores contatos. No caso a gente percebe que é preciso criar um Direito Penal comum para toda a Europa, tanto do ponto de vista substancial quanto do ponto de vista processual. No direito italiano, por exemplo, é crime o fato de que pessoas se juntem com o propósito de exercer atividades criminosas mesmo antes de exercê-las. A intenção é suficiente para caracterizar o crime de associação mafiosa. Essa figura não existe em quase todas as demais legislações européias. Também não existe no direito brasileiro, ainda que não faltem provas da sua eficácia. Essa questão, aliás, tem a ver com o caso de Antonino Salamone, o importante mafioso italiano que vive no Brasil e que não conseguimos extraditar. Isso não aconteceria se a legislação brasileira contemplasse o crime de associação mafiosa. Hoje as associações mafiosas transferem capital de um ponto a outro do mundo com um telefonema ou via fax. Para identificar o capital mafioso que se desloca, são necessárias as chamadas rogatórias, solicitações feitas de um Estado para outro em busca de informações vitais para acompanhar as pistas desses patrimônios ilegais que caminham sobre a Terra. Nas circunstâncias atuais, o processo é muito moroso, o Estado solicitado pode levar meses e anos para dar alguma resposta. Às vezes nem respondem. Cooperação internacional, sistemas integrados, controles fiscais adequados para impedir buracos negros, paraísos fiscais, em que o capital mafioso encontra refúgio - é disso que precisamos hoje para um combate eficaz que necessariamente deve transcender fronteiras nacionais. CC: O que deveria mover esta integração internacional? A percepção de que há riscos para todos? GC: Economias limpas cada vez mais infectadas pela economia mafiosa estão expostas a alterações gravíssimas, com fortes implicações políticas e portanto para nossa liberdade, para a democracia. Quem manobra quantidades imensas de dinheiro como a Máfia não pode deixar de ter um projeto político. No mínimo não pode deixar de estabelecer um cerco em torno da política para dobrá-la aos seus interesses. Tudo que não pode ser controlado mas condiciona a política põe em risco a democracia. Este é um teorema muito fácil de demonstrar. CC: Por que há países que resistem à idéia de uma agência internacional para controle de lavagem de dinheiro? O Brasil; por exemplo. GC: Quem resiste em geral - em relação ao Brasil me faltam maiores informações é porque desta maneira atrai mais capitais, infla a sua economia. Trata-se obviamente de um cálculo míope. Pode-se colher vantagens no curto prazo. Mas se os capitais que chegam são sujos eles acabarão sujando toda a economia. CC: Gostaríamos de entender o que representa a ensinada Pizza Connection? GC: Um dos magistrados da Promotoria de Palermo, Roberto Scarpinato, escreveu um relatório sobre o assunto: "A Promotoria de Palermo averiguou um intenso tráfico internacional de cocaína entre Brasil e Sicília em 1992 e 1993. Alguns protagonistas deste tráfico foram detidos na Itália e estão sendo processados. Em novembro de 1995 a Promotoria pediu às autoridades brasileiras, através de competente rogatória internacional, autorização para interrogar os cúmplices brasileiros desse tráfico, residentes no Brasil. Até hoje esta operação não teve resposta. No quadro de outra operação, Operação Gulliver, ficou acertado um tráfico internacional de cocaína gerido por expoentes da Cosa Nostra sob a supervisão de um cidadão brasileiro até o momento procurado" Temos aí importantes sinais de que está se desenvolvendo alguma atividade entre Brasil e Itália. Estas áreas em vias de desenvolvimento - no caso do Brasil, prodigioso e tumultuado desenvolvimento - são zonas onde é fácil multiplicar o dinheiro aplicado e incrementar poderes. Nelas a Máfia tende a se colocar naturalmente. CC: O caso Salamone entra de que maneira neste contexto? GC: Antonino Salamone foi condenado a 12 anos de prisão no maxiprocesso instruído por Falcone. A falta de extradição de Salamone representa uma derrota da Justiça. Uma derrota da justiça italiana e, acredito, também da justiça brasileira. Todos os países, quaisquer países, deveriam empenhar-se para extraditar personagens deste gênero, reconhecidas culpadas por tráfico de entorpecentes. CC: E os arrependidos? Há quem levante objeções morais em relação ao aproveitamento pela Justiça de quem delata com a promessa de redução da pena. GC: Há algo mais além da questão moral. Existem também problemas de organização e problemas processuais. Não basta a palavra do arrependido para condenar quem quer que seja. Sem provas, palavras são e palavras continuam sendo. Mas a questão moral existe. A redução da pena para quem cometeu delitos gravíssimos - eis a questão. De todo modo, o problema já estava posto e foi resolvido pelo próprio legislador. Ele se encontrou diante de uma máquina de morte com a obrigação de detê-la. A partir daí surge um cálculo de custos e benefícios. Custos no plano moral, obviamente. Benefícios no plano da investigação, no plano da possibilidade concreta de sustar essa máquina de morte. O Estado fez este cálculo e se dispôs a pagar o preço porque entendeu que os benefícios eram muito maiores. Sem arrependidos não há país que possa dar muitos passos adiante no combate à Máfia, que é por definição uma organização secreta. Mesmo o melhor investigador, mais corajoso, mais esperto, mais afortunado, acha intransponíveis dificuldades para entrar em uma organização que existe em função de todas as barreiras que criou em torno de si. O arrependido, ao contrário, coloca a investigação dentro da Cosa Nostra. A investigação começa então no interior do espaço mafioso. Aquele mesmo investigador agora tem todas as condições de chegar ao fundo da questão. Diga-se que o arrependimento é tão antigo quanto o mundo. Um tratamento especial em relação aos arrependidos é previsto em todos os países modernos que queiram atuar eficazmente contra a criminalidade. Os Estados Unidos, por exemplo, tratam com extremo favor os arrependidos. CC: Resta saber algo a respeito da sua vida como cidadão e das razões de suas escolhas profissionais. GC: Eu não gosto muito de falar dessas coisas. Quero deixar claro, no entanto, que escolhi deliberadamente a vida que levo. Estou em Palermo em conseqüência de um pedido meu, feito depois da morte de Falcone e Borsellino. Na ocasião, entendi que devia colocar-me à disposição e fiz portanto um pedido de transferência que o Conselho Superior da Magistratura acolheu. Talvez fosse mais interessante falar de colegas que enfrentam os riscos de Palermo há dez ou 15 anos. A nossa vida é indubitavelmente bastante complicada, porque significa ter um exército estacionado na porta de casa, com envolvimentos da família, que são bastante pesados. Significa viver cercados constantemente por uma escolta. A tensão não nos abandona nunca. Felizmente os integrantes da escolta não são somente de primeira qualidade do ponto de vista técnico, mas também do ponto de vista humano. Eles conseguem quase sempre estabelecer um ótimo relacionamento com a gente e isso facilita muito as coisas. Claro que a existência de um magistrado anti-Máfia não é divertida. Contudo, sem retórica, enfrentamos os desconfortos pensando em quem pagou com a vida o seu senso do dever. Eu me inspiro nestes modelos, apesar de todos os percalços que a situação provoca. E é importante constatar, para nós que vivemos esta vida, que os sacrifícios não são inúteis. Do ponto de vista íntimo e também de um ângulo mais amplo. No Exterior há quem goste de enxergar a Itália como o ninho da Máfia. Nós achamos agora que a Itália começa a ser enxergada também como o símbolo da anti-Máfia. Mensagem enviada por: alemao
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