O texto traça um paralelo entre o crime organizado do RJ com as práticas mafiosas usadas na Itália, abordando problemas e soluções usadas para coibir as ações criminosas organizadas.
Nestes tempos em que as ações criminosas são divulgadas pela grande imprensa como a força de um “poder paralelo”, termo este criado pelos mesmos em seus telejornais, traficantes homicidas ganham status de “superstars” de uma vergonhosa guerra perdida. Hoje em dia, qualquer criança, independente de sua classe social, sabe diferenciar as facções – se é o Terceiro, ou o Vermelho - envolvidas em atividades criminosas organizadas em um quadro de total banalização do valor da vida humana. A crueldade é mostrada em horário nobre, com seus eufemismos e o caráter de uma típica cobertura jornalística de guerra, declarada, ao olhos de uma população muda de tão indefesa. Indignação é pouco.
Não há limites para o crime organizado, rebeliões armadas dentro de presídios de segurança duvidável, toques de recolher e execuções sumárias, como a do jornalista que foi decapitado em uma favela da zona norte do Rio no exercício da profissão, são apenas os sintomas de uma sociedade doente. A Itália viveu situação semelhante entre o fim dos anos 70 e o começo dos 90. A máfia matou milhares de homens em ações muito parecidas com as que vemos todos os dias. Juízes, promotores, políticos e jornalistas mortos por denunciar criminosos e por combatê-los sem medidas paliativas.
Há exatos dez anos, na estrada que liga Palermo a Capaci, a máfia cavou a sua ruína, assassinou o juiz Giovanni Falcone, que uniu a justiça italiana e juntou as peças do quebra-cabeça do crime organizado, desmoralizando a força das principais famiglias mafiosas da itália.
Enquanto a violência consome cidades como o Rio, autoridades federais mantêm uma postura blasé, anunciando planos esporádicos sem priorizar a questão. O quadro não surpreende o juiz Walter Maierovitch, ex-secretário Nacional Antidrogas: “Há uma nova modalidade de crime visível no Rio, que é a Associação Criminosa Especial, caracterizada pelo controle de território social, como ruas, colégios, bairros.” Ele explica que o termo foi criado na legislação italiana em 1992 e defende que se torne lei também no Brasil.
A máfia demonstrou força, desafiando e acuando pessoas de bem, ousadia esta bem peculiar dos marginais daqui, mas a Itália não era a mesma de antes, e o povo começou a derrubar a lei do silêncio, exigindo o fim da impunidade e da covardia.
Acabar com o crime organizado é tarefa difícil, mas com esforço, determinação e “boa vontade”, a Itália conseguiu calar a máfia mais famosa do mundo: a cosa nostra, e só o fez porque fez cumprir a lei, criando novas leis – emergenciais - desafiando mesmo, a constituição do país.
O governo derrubou cada obstáculo, criou decretos e, com cuidado, pôs o exército na rua. Depois da morte do juiz Falcone, os soldados desembarcaram em Palermo apenas para garantir a ordem e a segurança. Foi decretado o estado de emergência. Quase um ano depois, o exército voltou pra casa.
Um dos responsáveis pela comissão parlamentar de inquérito que investigou tragédias de máfia e terrorismo, o deputado Walter Biella, foi contra a presença do exército. Mas mudou de opinião. “O exército controlou os edifícios públicos. Foi uma presença que deu aos cidadãos e aos policiais a sensação de que eles não estavam abandonados”. E aqui no Brasil? Deveriam as forças armadas entrar na luta contra o poder paralelo dos bandidos? Não se sabe, mas urge a necessidade de uma mudança no código penal, para que os agentes da violência sejam punidos, de forma exemplar, impedindo-os de controlar seus negócios de dentro dos presídios, nos quais possuem regalias e onde as grades ganham dimensões metafóricas, presos somos nós. Reféns do pânico numa cidade dominada pela insegurança.
Uma medida que deu certo na Itália foi a lei dos arrependidos, lei esta que desmantelou os alicerces do crime, do silêncio e do medo. A lei de proteção às testemunhas oferecia vantagens aos criminosos que colaborassem com a polícia. A Itália mudou o código penal e decretou prisão perpétua para mafiosos e seqüestradores. Condenados para o resto da vida, os chefões da máfia começaram a comandar o crime de dentro dos cárceres, como também acontece aqui no Brasil. A Itália então criou uma lei duríssima, que foi aceita pela sociedade e até pelas organizações de defesa dos direitos humanos: o isolamento total dos mafiosos e a perda de qualquer direito civil.
O primeiro mafioso arrependido, Tomaso Buscheta, preso no Brasil, revelou os segredos da cosa nostra, quebrando a lei do silêncio, entregando desde o juramento de honra, feito diante da imagem de uma santa, até os nomes dos padrinhos, os poderosos chefões. Um a um, os criminosos foram identificados e levados para a cadeia. Rostos insuspeitos apareceram como chefes de famílias mafiosas. Outros criminosos se arrependeram e tiveram a pena reduzida. Hoje o governo italiano mantém 1.600 colaboradores da justiça e dá proteção às famílias, cerca de quatro mil pessoas. A Itália conseguiu o que parecia impossível, e demorou décadas, com milhares vidas perdidas.
Hoje, os cidadãos italianos podem andar de cabeça erguida, o mesmo não se pode dizer de quem vive na cidade do Rio de Janeiro, apesar dos esforços de um governo de apenas quatro meses. Nestes mesmos quatro meses, apesar do legado do governo anterior, muitos bandidos foram presos, como há muito não se via, nos mesmos telejornais, em que eles, os “fernandinhos”, são recordistas de audiência.
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