Falar em crime organizado, hoje, é falar de uma realidade cujo conteúdo é cada vez mais económico e menos diferenciado, em consequência da ascendente interdependências entre as várias formas que assume, nomeadamente, fraudes, corrupção e branqueamento de dinheiro.
Continuar a falar de crime organizado, hoje, é procurar encontrar a ligação entre as formas como as associações criminosas produzem os seus proventos, naturalmente sempre com origem ilícita, e os modos como os branqueam por forma a ocultar a respectiva origem.
Usando uma fórmula mais policial que jurídica, e socorren-do-nos da definição usada pelo NCIS (National Criminal Intelligence Service), crime organizado: "é uma actividade de grupo, disciplina-da e estruturada, que tem como primeiro fim obter proveito económi-co através de uma actividade criminosa a longo termo e contínua, conduzida independentemente das fronteiras nacionais, gerando pro-veitos que são disponibilizados para fins lícitos.
Localizar, atacar e desmantelar ou, no mínimo, desorganizar este ciclo, a hoje tarefa prioritária e de maior importância por forma a atingir as próprias acções levadas a cabo pelos criminosos.
Resumindo esta parte introdutória, dir-se-á que o branqueamento de dinheiro e o fundo do túne1 que os criminosos percorram para adquirirem legitimação e investir os seus proventos.
É, pois, imprescindível começar a desenvolver esforços no sentido de descortinar cada vez mais luz no fundo desse túnel, por forma a recuperar a saúde dos circuitos económicos e fortalecer os alicerces do Estado de Direito.
Passando a formas mais concretas do tema em causa, o exemplo de Itália não poderia deixar de ser referido, uma vez que o termo "Mafia" ai nasceu, embora referindo-se a organizações como a "Camorra Napolitana", a "indrangheta calabresa", a "Sacra Corona Unita" na Puglia e a "Cosa Nostra", sendo esta última a mais importante.
Segundo dados fornecidos pelo Instituto Central de Esta-tísticas da Itália, no ano de 1990 a totalidade do dinheiro produzido pelos criminosos italianos foi avaliado no montante aproximado entre 21.5 e 24 bilhões de dólares. Sendo que, desse montante, pelo menos 50% poderão ser atribuídos ao crime organizado e
entre 1/3 a 1/4 dessa importância a "Cosa Nostra" ou "Mafia Siciliana".
De realçar que esta organização criminosa, por razões inerentes ao desenvolvimento da própria criminalidade
organizada, facilitada pelos fluxos migratórios, pela sofisticação crescente dos meios de comunicação e consequente globalização da economia, tem vindo a alargar os seus tentáculos, assumindo-se cada vez mais como uma verdadeira "organização empresarial" transnacional.
Como é do conhecimento geral, estas organizações criminosas derrotas, embora se sinta que a sua capacidade de adaptação às novas realidades é rápida e inteligente, nomeadamente, pelo exemplo da "Cosa Nostra" que estará a criar uma nova geração de mafiosos, por forma a melhor fugir das revelações dos arrependidos.
Exemplos no que respeita as ligações internacionais do mundo do crime e ao surgimento de novas mafias, são as novas actividades da mafia italiana que, de momento, passou a investir avultados recursos no comércio de bens protegidos, danificados e de baixa qualidade ou de produtos fora de moda ou falsificados. O que acontece por via dos contactos estabelecidos pela Mafia nos países do Leste Europeu e nos grupos de "Mafia" que aí foram criados, sendo que estes funcionam como agência mediadoras para as empresa nas suas regiões, fornecendo-lhes contactos e prestando serviços de consultadorias sobre evasão fiscal e fraude fiscal sobre exportações. Um sector de grande importância na actividade da "Mafia" é o das construções, existindo uma ligação entre as organizações mafiosas, determinados sectores da administração pública e os diferentes sectores da economia, com base em interesses comuns.
Ou seja, determinado decisor adjudica certas obras a certo empreiteiro em troca do pagamento de uma "luva"; o empreiteiro paga "luvas" ao decisor e dá trabalho e dinheiro ao "mafioso"; por seu turno, o "mafioso" recebe dinheiro do empreiteiro, garante a tranquilidade social, o controlo da mão-de-obra e o apoio político ao decisor que deu início á cadeia.
Em Itália o crime organizado controlava o sector das construções através de investimentos que o levavam a deter o monopólio dos sectores chaves do transporte por terra e fornecimento de materiais de construção.
Prova disso foi o facto de a partir de l990, a crise política italiana ter sido seguida de uma crise no sector considerado o mais corrupto, o das construções.
Uma nova e lucrativa actividade e que envolve ligações cada vez mais fortes como a "Mafia russa" é a das
falsificações: papéis falsos para emigrantes ilegais, documentos bancários falsos e, também, notas de dólares
norte-americanos. E, em troca de dólares falsos, as organizações criminosas italianas receberão armas e produtos químicos para a produção de drogas.
Muito activas e eficiente são as organizações criminosas colombianas em Itália, detentora de sofisticados meios de tecnologia e comunicações, recorrendo também a grupos de pesquisa constituídos por peritos e advogados, pagos para efectuaram estudos de viabilidade e programas de investimento.
Quanto ao branqueamento e ao sistema bancário e financeiro da Itália, será interessante descrever uma operação policial que decorreu entre 1993 e 1994. Um profissional procurou, através de meios legais, adquirir um pequeno banco numa região do interior de Itália. Este banco operaria no sector agrícola e seria o
primeiro de uma rede de instituições de branqueamento. Passou para a propriedade desse profissional através de um enorme fluxo de capitais com origens num accionista sem ligações directas ou aparentes a organizações criminosas. As importâncias surpreendentemente eleva-das das transações e operações realizadas, se comparadas com a normal actividade dos outros bancos locais, deveriam ter levantado a suspeita de envolvimento em práticas de branqueamento de dinheiro. Uma tal suspeita, porém, não foi provocada pelas transacções anormais, mas sim após uma outra investigação sobre o mesmo indivíduo.
Esta pode constituir um exemplo das dificuldades de colaboração entro as instituições financeiras e as forças de segurança, a que urge pôr cobro.
Uma outra operação policial permitiu descobrir que algumas das empresas 1ideres do sector do ouro e da ourivesaria italiana atuavam como cúmplices do cartel colombiano ao vender grandes quantidades de ouro às suas filiais no Panamá. O ouro era vendido no Panamá e posteriormente o dinheiro regressava à
Colômbia.
Os métodos do branqueamento assumem também formas menos sofisticadas, designadamente através dos "spalloni" (criminosos que atravessam a fronteira com sacos cheios de dinheiro), ou sacos de dinheiro atirados para lá da fronteira, ou o transbordo de dinheiro em cargas ou camiões. Com frequência, actividades comer- ciais ou industriais são utilizadas apenas como fachada para transportar fisicamente o dinheiro para o estrangeiro. Veja-se a tentativa de utilizar móveis italianos enviados para todo o mundo, como contentores
cheios de notas. vejam-se as técnicas de conversão efectuadas a nível internacional, tais como a venda ou exportação de bens- frequentemente com documentos de importação ou exportação falsos - imobiliário, metais preciosos ou mercadorias.
Na fase de colocação do dinheiro para branqueamento são de particular interesse os chamados "paraísos
financeiros". Uma primeira categoria destes países está de alguma forma ligada aos Es-tados membros da UE, em virtude de específicos laços históricos, políticos ou económicos, como serão o caso das ilhas Channel ou a ilha de Man. Alguns bancos europeus têm recentemente estabelecido escritórios locais
nestes centros off-shore.
Outros países como Andorra, Gibraltar ou Chipre são preferidos pelos branqueadores de dinheiro devido a sua proximidade geográfica. Grupos criminosos ou profissionais funcionando como branqueadores de dinheiro abrem sociedades de fachada nesses países para transmitir dinheiro através de sobrefacturação, para depois poder investir o capital nos mercados financeiros europeus.
Tais "paraísos" deram origem ao chamado contrabando de dinheiro, que proporciona ao branqueador e vantagem de eliminar integralmente o trilho entre a actividade geradora de fundos e a efectiva colocação dos proveitos no sistema financeiro. Estes proveitos regressam posteriormente ao país de origem ou entram
nos mercados de investimento europeu através de métodos aparentemente legais.
Próximo do século XXI, adensa-se a preocupação emergente das novas práticas bancárias, tais como o acesso bancário direto - os clientes preferenciais recebem o software de banco e tem autorização para processar as transacções directamente através das suas contas -, ou contas suspensas - de bancos com outros bancos.
O "pass-through banking" coloca por si só uma miríade de problemas para os reguladores, através da criação de contas dentro de contas, até de bancos dentro de bancos.
Para além disso, vem surgindo uma nova categoria de pro-fissionais especializados no branqueamento de dinheiro.
Vendem serviços de alta qualidade, contactos, experiência e conhecimentos sobre a movimentação de dinheiro com o apoio de tecnologia de ponta, sobretudo em centros financeiros internacionais, a qualquer traficante ou outro criminoso disposto a pagar os seus honorários.
Terminando esta breve e com algum teor prático, escrito, direi que as recentes políticas restritivas contra o branqueamento de capitais estimulam, através da pista do dinheiro, uma detecção mais eficiente dos reais proprietários destes proventos, bem como a captura do capital cuja origem é ilícita e que os respectivos resultados não deverão ser vistos em termos de fracasso ou de sucesso, mas sim como um primeiro passo para
vencer esta batalha contra a criminalidade organizada a nível internacional. Sendo que a este primeiro passo deverão seguir-se outros passos inovadores que terão de ir além dos métodos tradicionais no âmbito da aplicação da Lei.
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