segunda-feira, 10 de setembro de 2007

o parlamento mais suspeito da italia

Nova legislatura bate recorde em número de senadores e deputados investigados ou condenados, a começar pelo premier

ARAUJO NETTO - Correspondente


ROMA - Iniciada há menos de dois meses, a 14ª legislatura do parlamento italiano parece estar querendo um registro no Guiness, o catálogo dos recordes mundiais criado há 47 anos por uma fábrica de cerveja inglesa. Constatação que justificou uma reação de perplexidade de alguns dos mais importantes jornais do país, que não vêem razões para festejar os 29 deputados nacionais e 15 senadores que, eleitos a 13 de maio deste ano, são responsáveis por um primado nada invejável da democracia italiana.

Esses 44 parlamentares (de um total de 945), incluindo o primeiro- ministro Silvio Berlusconi, são acusados, investigados, processados, alguns até já condenados por crimes da maior gravidade - desde a prática de corrupção, fraudes, falsificações várias, bancarrota fraudulenta até os de associação com as mais poderosas máfias da Sicília, da Campânia e da Calábria. Não estão na conta outros deputados e senadores suspeitos ou condenados por crimes menores, como difamação e emissão de cheques sem fundos.

Nem o argumento de que as legislaturas de 10 anos atrás (1990/92) apresentaram um número maior de parlamentares investigados e processados pode evitar que a presença de uma bancada de 44 parlamentares respondendo a inquéritos e processos confira ao atual parlamento italiano um recorde humilhante.

Dez anos atrás, as duas casas do parlamento de Roma chegaram a abrigar quase uma centena de senadores, deputados, ministros e líderes partidários que, depois de eleitos, foram acusados, investigados e processados pelos magistrados da célebre Operação Mãos Limpas. Mas nenhum deles era suspeito, acusado e incriminado já ao início da legislatura, como os 44 atuais.

Nenhum dos anteriores fez, durante a campanha eleitoral, uma afirmação pública igual àquela do siciliano Marcelo DellUtri, reeleito deputado por um colégio de Milão: ''Sou candidato por legítima defesa: para me defender de novos processos e condenações''. Em outras palavras, para ser protegido, pela imunidade parlamentar, de novos processos de corrupção, fraudes fiscais e colaboração com associação mafiosa. Em Milão, Madri e Palermo continuam rolando processos contra ele, que sempre foi um dos bons amigos, sócios e conselheiros do atual primeiro-ministro Silvio Berlusconi.

A importância da atual bancada de senadores e deputados italianos sub judice não se reconhece apenas por seu valor numérico. Mais importante do que a sua quantidade é a sua qualidade política. Dos 44 parlamentares com contas a prestar à Justiça, só dois pertencem à coalizão oposicionista de centro-esquerda. Os demais 42 são todos membros ilustres da maioria que apóia o governo de direita, chefiado pelo cavaliere Silvio Berlusconi.

Um líder que, talvez por coerência ou para dar o bom exemplo, além de encontrar uma solução para o gritante conflito de interesses entre o mega-empresário, proprietário de um império de multimídia e o primeiro ministro que fará o que bem entender com as três redes estatais de televisão e as três de rádio, deve responder ainda a quatro processos penais dos mais escabrosos, por falsificação de balanços, fraudes fiscais, desrespeito da lei anti-truste e corrupção de juízes.
No atual governo,o deputado e líder Berlusconi não é um caso isolado. Fazem-lhe companhia o ministro das Reformas e líder da separatista Liga Norte, Umberto Bossi; o ministro do Trabalho e vice-líder da Liga Norte, Roberto Maroni; e o vice- ministro dos Bens Culturais, Vittorio Sgarbi. Todos figuras populares e candidatos bem votados nas últimas eleições vencidas pelos partidos da Casa da Liberdade, a coalizão de direita que hoje governa a Itália. Trata-se de políticos que, em muitos casos, fizeram questão de manter por perto os hábeis, competentes e custosos advogados que os defenderam em processos a que já responderam e aos que ainda devem responder. Advogados e professores de direito penal como Carlo Taormina e Gaetano Pecorella - eleitos pela primeira vez para a Câmara -, que, pela competência demonstrada como defensores de Berlusconi, mereceram também um posto de vice-ministro do Interior e de membro da Comissão de Justiça.

Funções que não os impede de continuar atendendo seus mais antigos clientes, como terça-feira passada aconteceu com o professor Taormina, que com a maior solicitude respondeu de seu gabinete no Ministério do Interior a um telefonema de um empresário napolitano preso por fraude e participação numa quadrilha de bandidos, para instruí-lo sobre como proceder diante dos policiais e dos magistrados.

Os problemas de Berlusconi

ROMA - O personagem mais importante do elenco dos 44 membros do atual parlamento italiano investigados, processados ou condenados pela Justiça é o primeiro-ministro Silvio Berlusconi, o homem mais rico e o parlamentar mais votado da Itália. Nos anos 90, quando era apenas um bem-sucedido empresário milanês, depois de ter sido condenado por mentir perante a Corte de Veneza ao negar sua filiação à Loja Maçônica P.2, que tentou esvaziar o governo e as instituições da república italiana, Berlusconi tornou-se um assíduo freqüentador dos tribunais.
Berlusconi foi condenado em primeira instância em três processos por corrupção, financiamento ilegal de políticos e irregularidades fiscais. Graças a seus hábeis advogados, as penas foram anuladas, a maior parte por prescrição dos crimes.

Atualmente, o primeiro-ministro deve ser julgado por corrupção em atos judiciais, por falsificação de balanços e por envolvimento com a máfia siciliana, em processos em curso na Itália, e por fraudes fiscais e violação da lei anti-truste da Espanha, em processo instruído pelo juiz Baltasar Garzón.

Entre outros parlamentares investigados e processados está o deputado da Força Itália Massimo Berruti, que nos anos 90 passou a trabalhar na campanha do partido de Berlusconi na Sicilia e é acusado de participar da lavagem de dinheiro do narcotráfico operado pela máfia.

O ministro das Reformas, deputado Umberto Bossi, por sua vez, já foi condenado a oito meses de prisão por ter-se deixado corromper por uma grande empresa. Sentença que não cumpriu, por aceitar devolver a quantia e pagar uma multa. Aot reeleger-se deputado pela Liga Norte, Bossi respondia a dezenas de processos. (A.N.)

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